sábado, 9 de janeiro de 2010

Bijagos é um paraíso tranquilo em uma terra problemática

ADAM NOSSITER
New York Times Syndicate
Alguns destinos tropicais foram descobertos há muito tempo e se tornaram familiares; outros ainda podem ser descobertos, ao menos por alguns poucos, mas dificilmente mudarão tão cedo. Muita coisa nos separa deles, na cultura, tempo e espaço.
  • Matthew McArdle/New York Times

    As Bijagos, com sua flora e fauna rica, abundante e intocada, são classificadas pela ONU como Reserva da Biosfera e Patrimônio da Humanidade. À esquerda, Bruce Beach na Ilha de Bubaque

O Arquipélago de Bijagos é um desses lugares, um salpicado de 88 ilhas margeadas por palmeiras no Oceano Atlântico, com apenas 23 delas habitadas, além da costa de um dos Estados mais disfuncionais, porém sedutores, do Oeste da África, a Guiné-Bissau.

Apenas dizer que esses pontinhos tropicais verdejantes possuem quilômetros de praias espetaculares desertas, elementos peculiares da natureza como um raro bando de hipopótamos de água salgada, e costumes incomuns como um dos poucos matriarcados funcionais do mundo - as mulheres tradicionalmente escolhem seus companheiros, com pouco direito de recusa, na ilha de Orango - seria uma injustiça. Porque chegar nas Bijagos após uma viagem de duas horas em uma pequena lancha, vindo da decrépita, porém insinuante, capital do país, Bissau, representa entrar em um outro mundo e em um outro século, apesar de que seria difícil apontar exatamente quais.

Em uma aldeia na ilha de Soga, as crianças pequenas beliscavam minha pele branca para ver se ela era real, ao saírem das choças com cobertura de palha e paredes de barro; na ilha principal de Bubaque, na minha corrida de fim de tarde passando por palmeiras e mangueiras, por uma longa pista de pouso usada por traficantes de drogas latino-americanos, as crianças me chamavam, "Branco, branco!", não por hostilidade, mas por eu ser uma curiosidade.

Na minúscula ilha desabitada de Anguruma, uma grande quantidade de caranguejos se espalhava pela areia enquanto eu desembarcava em um mundo de puro branco, azul e verde. E de volta a Bubaque, no gracioso velho prédio administrativo português com arcos, parte do telhado desabou, mas os funcionários de Bissau simplesmente armaram uma tenda na sacada do segundo andar para compensar e seguir em frente. Espiando suas estruturas irmãs - uma escola, prédios de escritórios de estuque em ruínas - um funcionário veio nos cumprimentar e perguntar a respeito dos Estados Unidos. Ele ofereceu, de modo extremamente amistoso, nos mostrar a cidade.

Natureza e peculiaridades

Eu fui para Guiné-Bissau para cobrir as eleições presidenciais ocorridas lá em junho - um evento normalmente não considerado digno de nota em um lugar tão pequeno (a população é de apenas 1,5 milhão), mas a velha colônia portuguesa da Guiné atingiu um nível incomum de desintegração política. Ministros, um presidente e o chefe do Estado-Maior do Exército foram todos assassinados recentemente, apesar de pouco dessa turbulência ser aparente na indiferente Bissau.

Com o fim das eleições e como os voos que partem do país são esparsos, eu tinha vários dias livres, e todos na capital falavam de Bijagos como sendo um lugar mágico, selvagem, que devia ser visitado. Os portugueses não conseguiram subjugá-las até 1936, e mesmo hoje, há ilhas no arquipélago que nunca foram pisadas por forasteiros.

As Bijagos, com sua flora e fauna rica, abundante e intocada, são classificadas pela ONU como Reserva da Biosfera e Patrimônio da Humanidade: além dos hipopótamos notáveis, há 155 espécies de peixes, o que torna a ilha um destino de primeira, apesar de raramente frequentado, para pescadores esportivos aventureiros; e há golfinhos, peixes-boi, crocodilos, macacos e antílopes listrados. Das oito espécies de tartaruga do mundo, diz o Centro do Patrimônio da Humanidade, cinco são encontradas aqui.

As ilhas servem com um dos mais importantes locais de procriação de aves migratórias no continente, com 96 espécies. Os riscos de navegar pelos canais estreitos entre as ilhas, que são repletos de bancos de areia, protegeram as Bijagos dos grandes navios pesqueiros que percorrem a costa africana.

Este não é um lugar para férias de praia convencionais. Estar lá, ao finalmente chegar às Bijagos após superar os obstáculos, traz uma sensação de afastamento que não se tem ao chegar de avião ao Caribe.

Apesar do prazer de deitar na areia branca e não ver uma alma sequer à medida que os minutos e horas passam, um prazer ainda maior é o de estar em um lugar onde você é tão estranho para os habitantes quanto eles são para você. O relacionamento habitual entre turista e nativo - a mistura de cautela, culpa e hostilidade - não existe.

O fato das acomodações variarem de espartanas a simples, mas confortáveis (nada de luxo), ajuda. A grande distância entre o ocidental e o africano do Oeste do continente não é ampliada por oásis óbvios de privilégio.

E mesmo estando em Bubaque, as pequenas dificuldades e desconfortos - por exemplo, o percurso acidentado de meia hora em meio a cabras e ambulantes, em um dos poucos veículos da ilha, até a magnífica praia principal na aldeia de Bruce, ou a desordem lamacenta da própria aldeia de Bubaque - são um lembrete de que apesar dessas ilhas poderem receber visitantes (antropólogos há muito as preferem por causa de seu isolamento), elas não foram alteradas visando o turismo.

E provavelmente não serão tão cedo, simplesmente porque o acesso à ilha é difícil. Há duas opções, uma pública e uma privada, e ambas são inconvenientes; mas a primeira pode ser perigosa, enquanto a segunda a cara, apesar de empolgante.

A opção pública é uma balsa nas tardes de sexta-feira, que sai de Bissau rumo à ilha principal de Bubaque. Lotada e demorada (sete horas de viagem), esta é uma verdadeira experiência de viagem do Oeste da África, recomendada para os resistentes e sem recursos (o preço é de cerca de US$ 15), assim como aqueles que não se importam de viajar entre cabras.

É ainda mais barato (cerca de US$ 11) tomar uma canoa local às terças e quartas, mas elas costumam afundar. As águas podem ser turbulentas.

Se tiver dinheiro, alugue uma lancha por cerca de US$ 400 por viagem e salte pelas águas azuis em cerca de duas horas, dependendo do tempo.

Eu tomei a lancha em um dia sem nuvens e senti imediatamente a empolgação que vem de se aventurar em um lugar onde eu sabia que havia poucos turistas ocidentais.

O portal para esta aventura é tão intocado quanto as ilhas e, de certa forma, igualmente recompensador: Bissau. Você pode voar para esta minúscula capital - a TAP oferece voos saídos de Lisboa, e a companhia área de Cabo Verde, a TACV, de Dacar - para chegar às Bijagos. Se você gostar de decadência, ruínas, arquitetura colonial mofada e um vislumbre dos problemas políticos e sociais do Oeste da África, além de excelentes restaurantes portugueses, você não se arrependerá de passar uma noite ou duas em Bissau, a principal cidade de um dos países mais pobres do mundo.

Cotidiano e a população local

Lá, a predisposição à melancolia dos países de língua portuguesa (com exceção do Brasil) é justificada: o governo colonial era alternadamente negligente e brutal e há um doloroso histórico pós-colonial de golpes, assassinatos políticos (já tinham ocorrido quatro a aquela altura neste ano) e guerra civil. Este é um lugar que parece que literalmente não é pintado desde que Portugal foi expulso há 35 anos; os retoques destrutivos finais foram adicionados pela guerra civil do final dos anos 90, que ocorreu bem na capital.
  • Ricci Shryock/New York Times

    A cozinha do restaurante Adega do Loureiro, em Bissau, a capital do país, serve espetos de peixe grelhado

O resultado é um cenário pungente de desastre no qual, de alguma forma, as pessoas vivem e trabalham em prédios de estuque que estão se despedaçando e barracos armados diretamente contra o velho forte português. Uma tarde em um café ao ar livre contemplando essas ruínas, bebendo uma taça de vinho verde, é ao mesmo tempo agradável e algo que faz pensar. Todos os problemas do continente estão lá, diante de você, assim como seus encantos.

E as pessoas não poderiam ser mais acolhedoras, de um modo triste. Um advogado guineense, que conheci no centro, usou a palavra "liquefação" para resumir tanto sua cidade quanto o estado do regime guineense. A antiga Guiné Portuguesa, um canto pequeno e esquecido da região, se destaca de seus antigos vizinhos franceses por não estar evidentemente atada a um relacionamento contínuo com sua antiga potência colonial. Em vez disso, ele parece estar derretendo, mas de modo conformado.

As vistas em Bissau não são convencionais, mas recompensadoras nas compreensões que propiciam aos visitantes a respeito da sociedade em fragmentação: o palácio presidencial, atacado na guerra civil, com seu teto bombardeado nunca reparado; papaieiras crescem para fora dos prédios destruídos no centro; as camadas de bolor no estuque nos velhos prédios portuários portugueses; os buracos de bala nas paredes da casa onde o presidente João Bernardo Vieira foi assassinado em março; o movimentado mercado de pulgas em Bandim.

À noite, a capital fica um breu - não há luz elétrica - e os cidadãos ficam sentados na escuridão tropical bebendo cerveja mantida gelada pelos geradores que zunem constantemente. O desafio é encontrar seu caminho no escuro e em meio aos buracos gigantes até um dos deliciosos restaurantes da capital: o clássico A Padeira, revestido de azulejos, onde os vestígios do governo colonial português podem ser vislumbrados comendo bacalhau; o descontraído e semi a céu aberto Adega do Loureiro, para um excelente peixe grelhado; ou o mais sofisticado O Bistrô, onde a cozinha pende para a francesa.

Na Adega do Loureiro, o espetinho, ou espada, de peixe grelhado - suculentos pedaços firmes de peixe, frescos por terem sido comprados no mercado local no mesmo dia - chegam à mesa fumegando, acompanhados por arroz local. Você se senta à uma mesa em uma longa sala branca, aberta ao céu em uma extremidade, com a miríade de estrelas na noite escura guineense propiciando uma quietude especial à refeição. Não há música de fundo, apenas a conversa lenta e musical em crioulo, o dialeto local com influência do português, ou no próprio português. Se alguma vez você já se perguntou como seria ter trabalhado, digamos, como um agente de transporte marítimo abandonado em um posto avançado colonial tropical, Bissau fornece a resposta.

Para alojamento, há o central Residencial Coimbra, na Avenida Amílcar Cabral, cujas paredes brancas desbotadas e os quartos escuros, com teto elevado que dá para um jardim de cobertura, possuem um charme melancólico em sintonia com o espírito do lugar. De fundo há o gumbé, a música dançante e pungente da Guiné-Bissau; o álbum clássico de 1980 da banda nacional, Super Mama Djombo, é um que vale a pena ter em seu iPod.

Pela manhã, há as águas cintilantes que separam Bijagos do continente, uma pausa para as tristes ruínas da capital. Se você cruzar as águas e permanecer com Gilles Develay na Kasa Afrikana, em Bubaque, como eu, ele o receberá no hotel, o conduzirá por uma escada de pedra e servirá peixe fresco grelhado no almoço.

Seus quatro quartos brancos estão distribuídos ao redor de uma pequena piscina e bar ao ar livre, em um jardim murado de palmeiras, buganvílias e outras plantas tropicais. O efeito é aconchegante, relaxante e confortável, um oásis despretensioso e bem administrado onde tudo mais está ruindo. Gilles admite que foi um desafio se estabelecer.

"Após a guerra, não havia nada", ele disse. "Não era possível encontrar nem um prego em Bissau. Foi uma aventura."

Ele foi obrigado a procurar o rei da aldeia de Bruce, o rei Koya, para pedir sua permissão. Foi realizada uma cerimônia, alguns frangos foram sacrificados e a permissão foi concedida. O resultado é a Kasa Afrikana.

Não vá até lá esperando vida noturna ou restaurantes finos. Como diz Gilles, "eu gosto que minha vida seja um pouco difícil".

Em vez disso, há os ritmos da vida da aldeia além de suas portas - mulheres carregando mangas na cabeça, crianças jogando futebol na estrada de terra, roupa sendo lavada ao ar livre, uma aldeia lamacenta seguindo a estrada - e a praia magnífica, que você terá só para si. As noites são serenas, silenciosas e escuras, com o céu coberto por milhares de estrelas.

Gilles levará você para pescar em um de seus barcos, ou simplesmente em uma exploração deste universo que ele conhece bem, para um piquenique na praia de uma ilha deserta, ou em uma visita a uma das aldeias. Na entrada haverá uma árvore gigante na qual o espírito protetor, o iran, supostamente habita; as crianças e mulheres andando ao redor de uma idosa servirão de pista para a estrutura social matriarcal incomum das Bijagos, cujos homens, dizem os antropólogos, reconhecem a força vital (Arebuko) das mulheres como sendo superior à deles.

"Veja todos os milhões de barcos e jet skis", diz Gilles, sorrindo nas águas azuis, interrompidas apenas pelos afloramentos do arquipélago. "Não há muitos lugares tão próximos da Europa que são tão selvagens e tão belos."
  • Matthew McArdle/New York Times

    Alguns destinos tropicais, como o Arquipélago de Bijagos, foram descobertos há muito tempo e se tornaram familiares; outros ainda podem ser descobertos, ao menos por alguns poucos, mas dificilmente mudarão tão cedo

Como chegar lá


É possível voar para Bissau, a capital, a partir de Lisboa pela TAP (www.flytap.com) e de Dacar, Senegal, pela TACV (866-359-8228; www.flytacv.com). Os preços variam enormemente, mas uma recente pesquisa online encontrou a mais baixa passagem de ida e volta em dezembro, de Newark (Nova York) para Lisboa e Bissau pela TAP a US$ 2.195. A Delta (www.delta.com) voa do Aeroporto Kennedy diretamente para Dacar às quartas e sábados; em uma recente pesquisa, a passagem mais barata em dezembro custava US$ 1.167. A TACV tem voos de Dacar para Bissau quatro dias por semana, cobrando cerca de US$ 395 para passagens de ida e volta.

Onde ficar


Em Bubaque, um quarto com ar condicionado para dois na Kasa Afrikana (245-658-1667; www.kasa-afrikana.com), com todas as refeições inclusas, custa 112 euros, cerca de US$ 171, com o euro cotado a US$ 1,53. A Kasa Afrikana tem quatro quartos, mas três bangalôs estão sendo construídos. Há conexão Wi-Fi e televisão por satélite.

Quartos mais simples, frequentemente sem ar condicionado, e mais próximos da aldeia de Bubaque, podem ser conseguidos no Chez Dora (245-692-58-36), por cerca de 15 a 39 euros, e ainda mais baratos no Chez Raoul (245-610-0149). Ambos ficam colina acima para os que chegam ao porto em Bubaque, virando a direita no Cine Krake.

Em Bissau, o Residencial Coimbra possui localização central (Caixa Postal 1082, Avenida Amílcar Cabral; 245-213-467; residencialcoimbra.com). Diárias entre US$ 130 e US$ 180. Não aceita cartão de crédito; aceita transferências bancárias.

Onde comer


Estes restaurantes simples são paraísos bem-vindos de ordem e repouso após um dia circulando pelas ruas lotadas da pequena capital e seu amplo mercado Bandim, repleto de vendedores:

Adega do Loureiro, Rua 5 de Julho.

A Padeira Africana, Rua Marien N'Gouabi No. 30.

O Bistrô, Rua Eduardo Mondlane No. 9.

Uma refeição para dois com vinho em cada lugar sai pelo equivalente a US$ 50 a US$ 60.

Antes de ir


Uma dica aos viajantes é que cartões de crédito não são aceitos na Guiné-Bissau e não encontrei caixas eletrônicos em Bissau que aceitassem cartões de débito americanos para sacar os francos CFA, a moeda local (o dólar vale cerca de 450 francos). Alguns bancos trocam dólares ou, preferencialmente, euros por francos CFA.

A Kasa Afrikana e o Residencial Coimbra aceitam transferências bancárias; fora isso, venha armado com muito dinheiro, ou prepare-se para realizar transferências eletrônicas nos escritórios da Western Union em Bissau.

Viajar para a Guiné-Bissau, como para quase toda parte na África, exige um grande número de vacinações. Também é aconselhável levar medicamento antimalária. É bom consultar um médico antes de viajar.

(Adam Nossiter é o chefe da sucursal no Oeste da África do "The New York Times")

Tradução: George El Khouri Andolfato

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