quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Guiné Bissau: No epicentro de quase tudo

As idas e vindas que estão a escrever a história da capital Luanda nos dias de hoje não podem ser um simples movimento diferente. Há algo de muito precioso, em política, a acontecer na relação de Angola com o resto do Mundo, mais especificamente com um grupo de países de interligação privilegiada, seja por razões de geografia, seja por pertença a uma mesma família linguística.


A Guiné Bissau, país dos PALOP como o é também Angola, fez de Luanda nas últimas semanas uma espécie de confessionário. Militares e políticos, que intramuros cultivam uma relação de assustadora precariedade, voaram para Angola onde, em bom rigor, parece repousar a chave do seu problema persistente.


Ficou-se a perceber – ao menos na aparência – que, por lá, a questão verdadeira, para lá das causas profundas ligadas à difícil gestão dos interesses de tribo, é mesmo a sobrevivência no quotidiano. Perpassa pelo território uma verdadeira fome de respostas, que tem na situação dos militares sem garantias de futuro o mais sério desafio.


É de comida, de dinheiro, de fardas, de carros para circular, de camas para dormir, de casas, de quartéis, de acomodação, de formação, de escola, que se fala na Guiné Bissau.


E é isso que, sem subtilezas de linguagem, o militar que por lá parece ditar as regras, António Indjai, veio a Luanda dizer, rogar quase.


Para já, a resposta para a Guiné é logística, algum tempo depois – certamente em simultâneo – nada mau uma profunda abordagem antropológica, sociológica, política, cultivando entre todos valores universais que será preciso observar, sob pena de todo o esforço descambar. Um desses valores incontornáveis é o respeito pela vida humana, a base de tudo.


Veio a Guiné carpir as suas mágoas, mas por razões diferentes esteve também São Tomé e Príncipe, na pessoa do seu primeiro ministro Patrice Trovoada, transmitir ideias de progresso, de cooperação, de crescimento.


O governante santomense fez de Luanda um palco para, no fundo, lembrar a excepcionalidade da relação bilateral. Foi de uma abertura notável, directa, dir-se-á até bastante familiar. Angola só não será forte nos negócios chorudos que parecem anunciar-se para aquela terra se não o desejar e se a sua classe empresarial preferir outros destinos na sua cada vez mais ousada vontade de expansão pelo Mundo.


Deixado propositadamente para o fim nesta apreciação dos movimentos de diplomacia das últimas semanas, temos a memória da visita do presidente da República Democrática do Congo, Joseph Kabilá. Foi na segunda-feira 20 que o líder da RDC veio a Luanda, no reatamento de um diálogo que teve claro esfriamento depois da controversa decisão de expulsar de solo congolês todos os cidadãos angolanos.


Terão sido, certamente, horas de verdadeiro e angustiante exercício de diplomacia que as câmaras de TV não mostram nem os eufemismos dos comunicados “politicamente correctos” permitem perceber os meandros.


Não é com certeza fácil para Angola gerir este dossier, com todo o histórico das relações na era Kabila (primeiro pai, e agora) , mas o pior parece ter passado, pois o simples franquear das portas do Palácio da Colina de São José ao presidente da nação vizinha é, já por si, um sinal de conforto e de suficiente tranquilização dos espíritos.


O comunicado ficou-se por palavras tão baças quanto inócuas, como o se ter concluído “a necessidade de consolidar as independências das duas nações e promover a liberdade e a dignidade dos dois povos”.


Mas ficou o convite para que o Presidente José Eduardo dos Santos visite a RDC, entretanto já aceite, com datas a dependerem do respectivo agendamento pelas vias habituais, as da diplomacia.

Fonte: O PAÍS

Sem comentários:

Enviar um comentário