segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

ESPECIAL BISSAU = Guiné-Bissau: uma nação adiada

O País Online

 

Angola desatou-se esta semana em contactos com líderes africanos visando uma solução que restabeleça a paz na Guiné-Bissau, país que voltou a ser abalado em Dezembro por uma tentativa de golpe de estado, cujos actores ainda não são conhecidos.

Georges Chikoty, Ministro das Relações Exteriores, deslocou-se esta Quinta-feira a Nigéria e ao Ghana para contactar os presidentes daqueles países, por orientação de José Eduardo Santos, presidente da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa, CPLP.

Em declarações à imprensa, Chikoty disse que esse exercício tinha como objectivo convocar todos os países das diversas comunidades a participarem no esforço de restituir a estabilidade na Guiné-Bissau.

“Sabe que Angola nesse momento é o único país que tem efectivos militares que estão a ajudar a estabilização política e militar da GuinéBissau, para que se implemente o programa de reforma das Forças Armadas naquele país “, realçou.

Nesta conformidade, explicou, é desejo do Estadista angolano que todos os países, quer da CPLP como da CEDEAO, estejam envolvidos e façam mais para a estabilidade da Guiné-Bissau, uma vez que existe um mandato das Nações Unidas que foi renovado para o efeito.

A ideia é de que todos os países das referidas comunidades possam, com urgência, coordenar os seus esforços com as Nações Unidas para que se acelere o processo de estabilização da Guiné-Bissau”, concluiu.

O Presidente angolano e em exercício da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa condenou “veementemente” a acção ocorrida no dia 26 de Dezembro de 2011, na cidade de Bissau, perpetrada por um grupo de militares amotinados que, a pretexto de reivindicações dos seus salários, ocupou o paiol do quartel de Amura.

A condenação está contida numa carta enviada no final do ano passado aos seus homólogos da CPLP, na qual refere que os militares amotinados tentaram igualmente assaltar o Quartel do Exército e o Estado-Maior General das Forças Armadas guineenses. O Presidente da CPLP considerou essa acção “potenciadora de instabilidade” e apelou aos membros das Forças Armadas da Guiné-Bissau, particularmente às Chefias Militares, “para que se abstenham de qualquer ingerência nos assuntos políticos e respeitem a sua tutela e a ordem constitucional, assim como o Estado de Direito e os direitos humanos”.

O Presidente José Eduardo dos Santos acrescentou na carta que os esforços envidados pela CEDEAO, para a conclusão e assinatura de um Memorando de Entendimento relativo à aplicação do roteiro sobre a reforma da Defesa e Segurança, assim como o recente prolongamento pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas do mandato da UNIOGBIS até Fevereiro de 2013.

“ São reveladores da atenção que a comunidade internacional presta à República da Guiné-Bissau, tendo em vista a consolidação da paz e da estabilidade interna e o resgate da esperança num futuro melhor para todo o povo guineense”, lê-se na carta.

As razões do conflito

No ano passado, a organização não governamental Voz di Paz procurou buscar as razões do problema auscultando vários guinenes residentes e no estrangeiro. O estudo revelou que a crise naquele país lusófono deve o enfraquecimento do estado, a má governação, pobreza, má administração da justiça e o tribalismo.

A referida auscultação envolveu mais de 3 mil pessoas, entre entidades militares e paramilitares, representantes do estado, sociedade civil, instituições privadas, tradicionais e religiosas.

O trabalho da Voz di Paz identificou os obstáculos à paz, inclusive na diáspora a partir da recolha feita em 38 sectores do pais, tendo sobressaído as quatro grandes famílias de problemas acima referidas.

A auscultação apurou que cada uma das regiões da Guiné tem as suas particularidades em termos de insegurança das pessoas e bens. “Na Região de Cacheu, por exemplo, a insegurança das pessoas e bens chama-se o roubo de gado. Na Região de Quinara chama-se caça ao feiticeiro, ou o casamento forçado”.

O tribalismo surge como um dos problemas emergentes, representando uma seria ameaça a paz social.

“Há instrumentalização das etnias para fins políticos. É um mal emergente que a população identificou como uma ameaça grave à paz”, referiu Koudawo.

Segundo Koudawo, esses resultados, da mais extensa auscultação popular registada na Guiné, representam o começo de uma nova fase, a de procura das raízes dos problemas identificados. “É a partir das raízes que se pode erradicar os problemas”, sublinhou.

Os trabalhos de auscultação popular foram levados a cabo durante dois anos. O Bispo de Bissau Dom José Camnate na Bissing pede que as causas dos conflitos identificados sejam vencidas pelos próprios guineenses.

“Todos nós devemos olhar por estas causas com os olhos do médico que conseguiu diagnosticar as causas da doença do seu paciente”, refere o Bispo numa mensagem lida por ocasião da apresentação pública do relatório sobre “Guiné-Bissau. As causas profundas de conflitos: a voz do povo”.

Os conflitos na Guiné-Bissau assentam, sobretudo, nas tensões de ordem interna, entre diversas tendências políticas, baseados na luta pelo poder.

A génese do conflito

Os conflitos fazem parte integrante da história da Guiné-Bissau, assumindo a forma, quer de resistência contra a sua potência colonizadora, Portugal, quer de lutas e tensões de ordem interna, entre diversas tendências políticas, baseados na luta pelo poder.

O nacionalismo e a luta anti-colonial na Guiné e Cabo Verde estiveram profundamente ligados à figura carismática de Amílcar Cabral.

Em 1961, Amílcar Cabral tentou conciliar as várias formações nacionalistas existentes na Guiné. Deste modo, tentou unir o PAIGC com a União dos Povos da Guiné (UPG) liderada por Henry Labery e o Movimento de Libertação da Guiné (MLG) de François Mendy Kankoila.

No entanto, estes três movimentos entregaram-se a renhidas e duras batalhas verbais, principalmente sobre o tema das relações entre a Guiné e Cabo Verde.

Por um lado, havia a existência de pequenos grupos que não queriam nada com Cabo Verde; por outro, o PAIGC insistia na tónica da unidade dos dois povos e territórios.

Em Fevereiro de 1964, o PAIGC realizou o seu I Congresso em Cassacá, na zona de Cacine. O objectivo deste congresso foi o de clarificar posições e unificar o Partido. Neste Congresso foi criado o Conselho Supremo da Guerra, órgão responsável pela condução da guerra. Foi também nesta altura que surgiram as Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP).

O Congresso de Cassacá foi ainda marcado pelo conflito entre os que concebiam o Partido como um projecto sério, um instrumento de libertação do povo guineense, e os que estavam predispostos a servir-se do partido para a realização de desejos pessoais.

Após importantes vitórias militares, o PAIGC sofreu um duro golpe a 20 de Janeiro de 1973 com o assassinato de Amílcar Cabral, tendo surgido várias versões para tentar explicar este assassinato. Cabral foi morto em Conacry por Inocêncio Kani, um comandante naval guineense do PAIGC.

Rivalidades entre guineenses e caboverdianos, inteligentemente aproveitadas pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), podem ter estado na origem do assassinato.

No entanto, continua a ser um mistério sobre quem o mandou matar, quem, nos bastidores, preparou e organizou o crime e tentou um golpe de estado no partido. Terá sido uma facção guineense, que não aceitava a liderança dos caboverdianos e mestiços? Qual o papel do Presidente da República da Guiné, Sékou Touré, que não lidava bem com a crescente projecção internacional de Cabral e a sua ligação à cultura portuguesa? E da PIDE, que se infiltrara na direcção do PAIGC e que tudo fizera para eliminar o principal inimigo do regime? E, qual o papel dos militares portugueses, que anos antes tinham invadido Conackry? Tudo perguntas ainda sem respostas, que não cabem no âmbito deste estudo, a não ser pelo facto de mais uma vez porém em evidência os constantes conflitos em que o PAIGC se foi envolvendo.

Na sequência da revolução de 25 de Abril de 1974, Portugal, através da Lei n.º 7/74. reconheceu o PAIGC como único e legítimo representante do povo da Guiné-Bissau e, nessa qualidade, iniciou negociações com vista à celebração de um acordo que formalizasse a independência do território. As negociações foram rápidas e a 26 de Agosto de 1974 foi assinado o Acordo de Argel. A transformação do PAIGC de movimento de libertação em partido dirigente da GuinéBissau trouxe alguns problemas de adaptação, agravados pelo conflito latente entre caboverdianos e guineenses e pela existência de uma camada da população, nomeadamente em Bissau e Bafatá, que não apoiava o Partido. O III Congresso do PAIGC, realizado em 1977, não foi capaz de resolver estes problemas.

Por ter sido o único movimento que assumiu de uma forma estruturada a luta pela libertação nacional, não permitindo espaço para a actuação de outros movimentos independentistas, os quadros do PAIGC chegaram à independência política constituindo-se como a única elite do poder competente para assegurar as tarefas de reconstrução do país. O poder e as posições principais foram arrebatadas por pessoas oriundas das camadas mais baixas (camponeses e assalariados), que na maior parte dos casos tiveram menos possibilidades para se educar durante o período colonial.

O regime de partido único

A independência foi recebida com um entusiasmo, que se generalizou, e que por vezes se tornou inconsciente aos problemas inerentes, com esperanças e incertezas quanto ao futuro da Guiné-Bissau. A luta continuava, embora agora o inimigo já não fosse o colonialismo português; estava agora dentro da sociedade guineense, nas fraquezas das próprias instituições que, desde o princípio, não correspondiam aos objectivos a atingir nesta nova fase de luta para a construção de uma nova nação, com muitas etnias diferentes umas das outras e em que se distinguiam os guerrilheiros do PAIGC, os antigos combatentes do lado português e a população que testemunhou, sacrificada, onze anos de conflito armado.

O País e agências

9 de Janeiro de 2012

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